Assim que me vi sozinho em meu quarto, liguei para Léo. Não havia surpresa em sua reação embora transparecesse sua alegria diante das notícias.
– Eu não duvidei nem por um minuto que poderia ser diferente, Yuri. Estou muito, muito feliz! Por você e pelo Pôr do Sol.
– Obrigado, Léo... Não tem ideia de como também estou feliz de saber já estarei com você amanhã...
– Que bom, porque estou com saudades, Yuri. Sinto sua falta. Você me acostumou muito mal...
O táxi passava por ruas que eu jamais reconheceria se retornasse a Turim, porque eu não estava prestando atenção. Não me sentia bem. Nem havíamos chegado à boate onde foi marcada a comemoração, e eu já estava arrependido. Mas esse não era o único motivo do meu mal estar. Minha consciência pesava porque eu não tinha dito a Léo que estava saindo para uma festa, assim com também não comentei sobre meu breve encontro com Nina.
Eu não via problema em contar e contaria. Apenas acreditei que seria melhor fazê-lo pessoalmente, quando estivéssemos juntos e eu pudesse ler sua expressão, tanto quanto ela pudesse ler a minha. Então porque eu me sentia como se tivesse engolido uma bigorna?
– Relaxa, Yuri! É só uma boate! – Lis me advertiu e eu tentei sorrir.
Eu me esforçava para acompanhar Lis e Andréa na pista de dança, mas estava difícil. O alto volume da música eletrônica socava meus tímpanos, enquanto o piscar das luzes em cadência me cegavam. Não havia como conseguir me equilibrar e por duas vezes quase fui ao chão. Aquilo não era para mim.
– Vou até o bar! – urrei tentando avisá-las, mas duvido que tenham entendido.
Não houve muita melhora, mas pelo menos eu pude me sentar. Pedi um drinque cuja cor me desencorajou a perguntar do que era composto e apenas bebi. Voltei para procurar Lis e Andréa novamente e custei a acreditar no que via. Eu não estava bêbado, definitivamente não, mas cogitei a possibilidade de aquela fluorescência em minha bebida ser derivada de algum alucinógeno.
Parei para observar o homem na pista dançando com umas três mulheres e refleti por alguns segundos. Certo. Não era tão absurdo, afinal Pedro mora em Turim, mas qual a probabilidade de topar com ele no meio de uma balada e justamente na minha última noite na cidade? Escaneei a boate em busca de um lugar onde pudesse esperar até que Lis se cansasse e pedisse para ir embora.
Uma das mulheres – uma loira cujo cabelo batia quase na mesma altura de seu vestido –, se aboletou no pescoço de Pedro e tascou-lhe um beijo no melhor estilo desentupidor de pia. Tentei aproveitar a oportunidade e sair do ambiente, porém, ao me virar, outra pessoa surgiu diante de mim. Aparentemente, era a noite das surpresas.
– Que bom que tenha encontrado um tempo para se distrair afinal, Yuri!
O sorriso de Nina sempre era a primeira coisa que se via nela. E os olhos, esferas lapidadas de água-marinha, logo em seguida.
– Nunca imaginaria encontrar você aqui...
– Não duvido, eu nunca viria neste lugar por vontade própria.
– Não é tão ruim assim, vai!
– Não é... Só não é um lugar pra mim.
– Quer que eu chame um táxi pra te levar embora? – outra voz perguntou e só então percebi que Nina estava escoltado por seu amigo Ian.
– Acredite, eu gostaria, mas seria indelicado visto que minhas amigas estão se divertindo...
– Oh, você está acompanhado... – Disse em tom de deboche. E eu nem poderia condená-lo por não fazer questão alguma em ser agradável.
– Yuri! Aí está você! Eu estava te procurando! Onde você se meteu? – Lis parecia ter surgido do nada.
– Eu avisei que ia até o bar... Mas a música está muito alta... Talvez não tenham entendido. Você se lembra da Nina e do Ian, não é? – é claro que ela se lembrava, fiz a pergunta apenas para que ela percebesse a presença dos dois.
– Oh! Desculpem! Olá, não notei que eram vocês!
Dito isso, se deu uma mudez inesperada e constrangedora. Imaginava que Nina tomaria o rumo da pista de dança ou se sentaria no bar com Ian, mas ela não se moveu e me encarava de uma forma suplicante que me fazia sentir muita raiva de mim mesmo. Era óbvio que desejava respostas tanto quanto se mostrava disposta a não sair dali sem elas.
– Hey, Lis! – Chamou Ian, compreendendo os sinais ainda que contrariado. – Eu adoro essa música, vamos dançar!
Encontramos um lugar mais isolado e menos barulhento, e nele nos acomodamos frente a frente. Ela continuou me encarando em silêncio numa tentativa clara de me forçar a falar primeiro. Eu não tinha o que dizer a não ser reafirmar o quão miserável eu fui.
– Sinto muito, Nina. Você não merecia passar por nada disso. Fique a vontade para dizer o que quiser, ou me xingar, porque não existe nada que eu possa pra fazer pra me redimir.
– Talvez não haja nada mesmo... Mas eu gosto muito de você para ainda sentir raiva ou guardar rancor pelo sua atitude.
– Isso não faz com que eu me sinta melhor, acredite.
– Não estou falando pra você se sentir melhor. Você sabe que prezo a sinceridade, sempre. Estou contente de ter encontrado você.
– Eu também. Isso sim, me alivia um pouco. Poder ver que você está bem.
– É, eu estou... Confesso que minhas pernas bambearam quando dei de cara com você no aeroporto, mas...
– Fique tranquila, se você não me dissesse eu nunca ia desconfiar...
– Tudo bem, não sinto nenhuma vergonha de assumir isso pra você.
Lá estava eu, entrando naquele joguinho, tentando adiar o inevitável: as respostas para as perguntas que ela realmente desejava fazer. – Eu não conto pra ninguém...
– Foi uma surpresa e tanto. Ainda mais porque achava que quando esse encontro acontecesse, haveria outra pessoa ao seu lado.
– A Lis é só uma amiga...
– Está brincando! Já percebeu o modo como ela olha pra você?
– Tivemos alguma coisa. Mas é passado.
– Então eu não estava errada em meu julgamento, não é? – Perguntou com uma súbita certeza. – Você ficou por causa da Léo...
– Aconteceu tanta coisa... – Eu desviei meu olhar, não conseguia encará-la. Porque era tão difícil? – Estou tentando achar por onde começar...
– Não precisa se explicar... Acho que tudo que eu tinha pra saber, você já tinha dito... Eu assumi o risco. Só... lamento que... pra você, não tenha tido... a mesma importância.
Os olhos dela estavam quase transbordando, e lamentei mais ainda por achar que aquela conversa merecia um lugar melhor para acontecer.
– Não fale assim. Eu me apaixonei por você, Nina. De verdade, eu sei que você pôde sentir.
– Mas me esqueceu tão rápido, não é? – perguntou sem piedade, sem tempo de reflexão.
Ainda que minha razão me pedisse para confirmar aquela mentira, foi a verdade que saiu de minha boca. – É claro que não. – afaguei-lhe a mão.
Mal terminava de balbuciar, quando Pedro subitamente nos interrompeu com seus trejeitos gaiatos.
– Mas ora, vejam só quem apareceu no Velho Mundo...
– Boa noite, Pedro.
Ele alternava o olhar de mim para Nina e de volta para mim. – Não que seja da minha conta, mas o que faz tão longe de casa e, pelo visto, da razão de seu afeto também?
Não havia outra coisa a ser dita: – Você mesmo já respondeu, Pedro... Não é da sua conta.