sexta-feira, 10 de agosto de 2012

XXIV – De Última Hora (Parte I)



Deitei em minha cama sem nem me preocupar em tirar a roupa. Minha cabeça girava a ponto de me deixar enjoado, mas meu corpo clamava por um descanso e acabei caindo no sono. Estava escuro quando abri os olhos no susto, em meio aqueles sonhos estranhos em que você tem a impressão de estar caindo de repente. Não vi Leandra ao meu lado, então me levantei. Eu me sentia bem, descansado afinal.



Encontrei Léo ainda na varanda, agora sentada no balanço.
– Tive medo que você fosse embora. Que horas são?
– Muito cedo para acordar...
– Então por que não veio dormir?
– Estou sem sono...



Acomodei-me ao seu lado.
– Léo, não seja tão insegura. Esta não é você, e está me machucando ao duvidar do meu amor.
– Eu não duvido do seu amor. Pelo contrário, estou o tempo todo me vigiando para não perdê-lo.
– Você não precisa fazer isso. Basta ser você mesma, como sempre, a Léo espontânea e singular por quem me apaixonei.
– Era também uma Léo dependente, mimada, superficial, presunçosa e muitas vezes arrogante.



– Era? Não comigo... Não conheci essa Léo. Acho que tive sorte. – passei meu braço por sobre seu ombro, trazendo-a para perto de mim.
Ela finalmente sorriu. – Eu era uma pessoa melhor quando estava com você.
– Não diga bobagens, você é uma pessoa ótima. E só fica cada vez melhor.
– Me desculpa, Yuri! Eu tinha tanta coisa legal pra te contar quando chegou e acabei tendo um chilique. Mas é que a Nina é tão... Perfeita! Até o seu próprio reflexo deve sentir ciúmes dela, pelo amor de Deus!



Puxei Léo para cima de mim, fazendo com que sentasse em minhas pernas.
– Não precisa se desculpar, Léo. Só que isto tudo é sobre nós dois e mais ninguém. Desejo que um dia compreenda o significado que você tem pra minha vida. Se tivesse a mínima noção, jamais se sentiria ameaçada, pelo que quer que fosse.
Eu tinha certeza absoluta que a única pessoa capaz de me afastar de Leandra seria ela mesma.
– Vamos, conte as coisas legais de que falou. Eu já vi que não puseram a casa a baixo, pelo menos!



– Não... Mas não procure muito por coisas quebradas ou sumidas... – brincou. – A gente se divertiu... Ariel é tão engraçada! Geniosa, agitada, mas tão doce e inteligente! Ela que organizou toda a nossa programação. Escolheu filmes “de menina” pra assistirmos... Tarde da noite apareceu no seu quarto e perguntou se podia dormir comigo. E dormiu mexendo na minha orelha.
Eu ri. – É, um hábito de bebê que ela ainda tem às vezes...
– Ela é tão carinhosa! Até fiquei com vontade... Quer dizer... me passou pela cabeça... Você sabe, eu tinha problemas com crianças. Ou elas tinham comigo, eu não sei, só sei que eu era o tipo “espanta-neném” até conhecer a Ariel. Bem, se fossem como ela... Eu poderia ter. Filhos, quero dizer.



Inundado por uma torrente de júbilo, eu a abracei sem medir minha força e Léo soltou um gemido.
– Nem pense em se aproveitar desse meu momento vulnerável, mocinho!
– Ah! Mas não sei quando você me dará outra oportunidade! – disse em tom de brincadeira, mas acariciava sua nuca nervosamente, como um adolescente em vista de perder a virgindade.
Eu não ouvira errado, Léo desejava ter um filho meu. Implorei em prece silenciosa que esse sonho se tornasse real. Um filho com o amor da minha vida.
– Você... gostaria mesmo? Quer dizer, você deseja ter outro filho?



– Eu não consigo decidir o que me causa maior alegria, Léo. Se é ver você mãe de um filho meu, ou saber que esse é um desejo seu. Desculpe, eu não sei.
Derramei uma lágrima. Somente me lembrava de uma emoção assim quando peguei a baixinha nos braços pela primeira vez.
– Oh, Yuri! Não imaginei que quisesse começar tudo de novo, depois de tanto tempo, com Ariel já crescida.
– Eu já estou começando de novo. Eu só seria ainda mais feliz, se é que isso é possível.



O ano estava chegando ao fim e os dias se atropelavam como de costume. A proximidade das festas sempre deixavam Ariel excitada, e não era diferente desta vez. Sônia tinha vindo trazê-la. Alguma coisa saiu errado na sua programação.
– Eu vou viajar para a Suíça, a trabalho. – disse-me. A baixinha já havia corrido para o depósito atrás das bugigangas decorativas de Natal. – Estarei livre no feriado, mas não a tempo de voltar. Perguntei a Ariel se gostaria de ir comigo e John, mas ela preferiu ficar com vocês. Não quero obrigá-la ir conosco, por que estaremos ocupados a maior parte dos dias.



Desde a época do divórcio, eu e Sônia acordamos em alternar os feriados em que estaríamos com Ariel, e esse ano, o Natal seria com ela.
– Você sabe que por mim não tem problema algum, Sônia. É claro que posso ficar com ela.
– É, eu sei. É que queria passar esse Natal com ela, mas... – sorriu. – E você, como está?
Suspirei. E pela minha expressão ela já poderia deduzir.
– Exalando felicidade pelos poros. Eu chego a ter medo.



– Medo de quê, seu bobo?
– De não merecer tanto. Do universo de repente se dar conta da energia que está canalizando a meu favor, e resolver me tomar.
– Não seja tão modesto. A Léo deve saber o quanto é sortuda também.
– Sério que pensa assim?
– Ah, Yuri! A gente era muito jovem. Eu não soube lidar com a situação, fui intolerante e você um tanto omisso. Mas eu te amei e fui feliz sim, muito feliz com você antes das coisas desandarem. Eu tenho muito boas lembranças. Você não?



É claro que eu também tinha, e foi o que respondi, mas não esperava que ela as guardasse com este carinho. Eu costumava ser um homem frustrado por achar-me incapaz de fazê-la feliz. Incapaz de fazê-la sentir-se realizada e plena, consciente do meu amor.  Talvez eu lhe confessasse isso se não fôssemos interrompidos por Ariel.
– Papai, papai! A ceia vai ser na casa da tia Débora ou do tio Olívio?
Eu não havia pensado nisso. Tampouco conversado com Leandra. – Ainda não sei, baixinha... Vamos ouvir a opinião da Léo?



Ela concordou e voltou novamente para a outra sala onde as bolas, estrelas, festões e enfeites a aguardavam.
– Bem, eu vou indo, querido. Ainda não terminei de fazer minhas malas e isso deixa o John num estado lamentável de agonia. – ela riu novamente. – Como vocês conseguem ser tão práticos e carregar tão pouca coisa? Quer me explicar?
– Simplesmente porque vocês já carregam tudo para a gente...
– Não existem limites para a sua gentileza Yuri. – ela me deu um beijo no rosto e saiu.



Ariel já havia montado a árvore e se mostrava empenhada em colocar todos os enfeites.
– Está com fome?
– Não! Mamãe já me fez comer um sanduíche de presunto e tomar dois copos de suco antes de sair. Por que você e ela têm essa mania de querer me entupir de comida? Ao invés disso, porque você não me ajuda a acabar de decorar essa árvore?



Eu não tinha outra opção além de obedecer e terminamos quase todo o trabalho antes de Leandra chegar. Porém, Ariel havia deixado para ela a missão de acender as luzes.
Léo cumpriu sua parte com a cerimônia exigida e, durante alguns minutos, apreciamos a decoração em silêncio na penumbra.
– Agora sim, me deu fome! – concluiu a baixinha. – Posso pedir uma pizza?



Eu assenti e ela saiu à procura do aparelho de telefone. Aproveitaria a oportunidade para perguntar a Leandra o que ela estava pensando em fazer, mas ela se antecipou.
– Yuri, a Dora me ligou. Pedro vem passar os feriados em Belladonna.



sexta-feira, 3 de agosto de 2012

XXIII – Previstos e Imprevistos (parte III)



– Uuuuuuh! – exclamou. – essa doeu.
– Você não devia estar concentrado, ou algo assim? Atletas podem frequentar casas noturnas em pleno campeonato?
Pedro inspirou e levantou as sobrancelhas numa expressão assumidamente presunçosa.
– Contanto que eu não beba nem use drogas, eu não preciso me preocupar. Meu antidoping vai ficar limpinho...



Diante daquela cena, Nina deu um salto de sua poltrona.
– Você é aquele jogador não é? Do... do... Desculpe, sou péssima pra guardar nomes de times... Aliás, eu não sou muito boa pra guardar nomes em geral...
– Juventus! – ele respondeu com cortesia. – Sou Pedro Gregório, zagueiro do Juventus... E você é...
– Nina. Nina La Fleur. Apreciadora de uma boa arte.



Os olhos de Pedro brilharam e a boca se curvou num sorriso.
– Muito prazer, Nina... Mora em Turim?
– Paris.
Pronto. Eu havia virado um mero expectador daquela conversa.
– Hummmm, bela escolha... Quanto tempo vai ficar?
– Mais alguns dias...



Ele parou para olhá-la melhor e a raiva dentro de mim tornou-se imensurável. – Isso é... muito bom.
– Peeeeedroooo! – Uma voz melosa chegou até a mesa, na figura da loira que há pouco tentava engoli-lo. – Porque você sumiu?
– Não sumi, linda. – respondeu sem tirar os olhos de Nina. Escaneou seu corpo de cima a baixo sem nenhum constrangimento. – Só dei uma pausa...



– Está precisando relaxar?
A garota se aproximou por suas costas cruzou os braços em seu ventre e desceu as mãos até apalpar seu membro por cima da calça. Pedro sorriu maliciosamente. Constrangedor para dizer o mínimo, no entanto Nina achou tão divertido que chegou a engasgar ao tentar reprimir uma gargalhada.



Ele pediu licença – mais para Nina do que para mim – e deixou a nossa mesa aos amassos com a loira.
– Uau! – exclamou Nina. – O que foi isso?
Não respondi. Que noite infernal! Eu sabia que não devia ter saído.
– Vou procurar a Lis. Desculpe, Nina, estou com muita dor de cabeça... Vou voltar pro hotel.
– Tudo bem, Yuri. Melhoras pra você...



Minha aparência devia estar miserável quando avisei a Lis que estava indo embora, pois sua expressão se desenhou em compaixão e sequer fez menção de reclamar.
Mal tínhamos posto os pés fora da boate e Pedro saiu às pressas atrás de mim.
– Yuri! – chamou. – Ela... a Léo... Como ela está? – a pergunta saiu gaguejada, e pela primeira vez eu senti pena de Pedro. Estaríamos fadados a amar a mesma mulher pela eternidade? Sempre um de nós teria que se conformar com a infelicidade de não tê-la?
– Léo está bem, Pedro. Mas tenho certeza que ela adoraria se você mesmo perguntasse diretamente para ela.



Pedro se aproximou, porém baixou o rosto, reticente. Eu esperei alguns segundos.
– Será que você poderia fazer um favor pra mim?
Não esperava aqula atitude e agora era eu quem hesitava. – Que espécie de favor?
– Não diga a Léo que esteve comigo, não diga a ela que me viu.



Foi uma noite difícil, insone. Minha cabeça ainda parecia que ia explodir, mesmo depois de ter engolido dois comprimidos de analgésico a base de cafeína.
– Você está horrível! – constatou Lis no saguão. – O que aconteceu ontem para você ficar assim? Foi aquela mulher? A tal da Nina?
– Não, Lis, não foi ela, e me desculpe, mas eu não quero falar sobre esse assunto.
– Tudo bem... Espero que esteja melhor quando pousarmos em Enseada, porque a Léo só não vai reparar que há algo errado se ela for cega...



Cheguei a achar que fosse exagero da Lis, pois Léo não disse nada quando me viu. Beijamo-nos com a ânsia de nossa saudade e Ariel encheu-me de abraços. Porém, após deixarmos a baixinha na casa da Sônia, Léo não mais conteve sua curiosidade e preocupação.
– Eu pensei que te encontraria radiante... Mas você não parece muito legal, o que foi que aconteceu?
– Só estou cansado... Foram dias corridos. Trabalhei muito, dormi pouco... Ainda inventaram uma comemoração ontem.



– Comemoração? – comentou, desconfiada. – Tipo festinha?
– É. – respondi simplesmente, e mesmo não ficando satisfeita, Léo não insistiu. Ela sabia que eu tinha mais para falar, mas respeitou meu silêncio. De minha parte, eu não desejava omitir nada, mas vivia o dilema de ter de fazê-lo por conta do pedido de Pedro. Estava me dilacerando. Por que diabos ele o havia feito? E por que eu não questionei ou simplesmente lhe neguei? Eu não havia prometido nada a ele, e jamais poderia, mas isso não quer dizer que eu estava me sentindo a vontade com toda a situação.



E se Léo me perguntasse? Uma coisa seria deixar de mencionar, outra coisa seria mentir.
Eu havia me jogado no sofá da sala, e ela sequer conseguia se sentar. Eu sabia que estava ansiosa.
– Léo, eu encontrei a Nina. – disse de supetão.
– Como é que é?! – perguntou perplexa.
– Duas vezes, as duas sem querer!



– Quando? Como? Onde? E porque não me contou?
– Eu estou contando! – levantei. Por mais que minhas pernas não aguentassem a tensão me impediu de continuar sentado. – A primeira vez foi ainda no aeroporto, assim que chegamos... A segunda foi na boate, ontem à noite.
– Ah! Na tal festinha! – a última palavra já proferida em tom de sarcasmo.
– Você está me escutando? Eu não marquei nada, ela simplesmente estava lá.
– Assim? Como se Turim fosse um ovo? – duvidou.
– É! – respondi exasperado. – Exatamente! Como se Turim fosse um ovo!



Diante de minha irritação, ela procurou se acalmar.
– E como foi? Vocês conversaram? Ela está... bem? Ela sabe de nós? O que é que falaram?
– Sim, ela sabe de nós, sabia mesmo antes de acontecer, eu nem precisaria dizer, mas eu disse. Quer dizer, eu tentei dizer, eu acho que eu disse... Ah! Eu não sei!
– Você não sabe? Você não sabe por que não lembra, ou você não sabe o que deveria ter dito? Você não sabe o que somos nós?



– É claro que eu sei o que nós somos, Léo... Nós somos um casal, eu amo você.
– Mas também gosta dela.
– De maneira diferente...
– Mas gosta! – enfatizou.
– Eu fiz minha escolha. Não me arrependo, e sequer hesitei quando estive com ela. Mas não posso mudar o que eu sinto! Vamos lá, isso não é novo pra você...


Léo não disse mais nada e saiu para a varanda, me deixando só na sala. Esperei alguns minutos e fui ao seu encontro.
– Me dê um tempinho, está bem? – pediu antes que eu pudesse me aproximar o suficiente para tocá-la. – Preciso digerir isso.
– Eu vou subir e descansar um pouco então... Mas por favor, não vá embora sem falar comigo.
Novamente ela silenciou.